quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Fugir do templo é sobreviver sozinho, e sem Deus (Ageu 1.1-15)


É muito importante quando localizamos o lugar e o tempo de um profeta. Assim compreendemos que o profeta e suas palavras não são alheias, soltas, sem destino, sem objetividade, mas são concretas na história que o cerca. Ageu tem sua atuação localizada. O livro inicia indicando o mundo persa, em agosto de 520 antes da era cristã – a narrativa do próprio livro e os personagens nos leva a tal conclusão.
O texto de Ageu é um panfleto. Escrever não era uma prática comum, principalmente pelo custo e pela necessidade do conhecimento para escrever. Ler e escrever não eram para todos, daí a tradição oral como maneira cultural e condicional do povo aproximar-se das palavras. Nosso panfleto é organizado em dois capítulos com 38 versículos ao todo. Não é um livro, e isso permite que sendo um panfleto possa estar mais vivo e presente nas mãos dos que lêem, permitindo a facilidade para a maioria ouvir – o panfleto circulava com maior intensidade nas mãos dos leitores e, consequentemente, os que ouviam eram muitos, e tudo se guardava, independentemente se havia alguma consideração com o profeta.

O texto

No 2º. ano do rei Dario, no 6º. mês, no 1º. dia do mês, aconteceu a palavra de Javé através do profeta Ageu a Zorobabel, filho de Salatiel, o intendente de Judá, e a Josué, filho de Josedec, o sumo sacerdote, dizendo:

.....Assim disse Javé dos Exércitos:
........Este povo disse:
........Agora ainda não chegou o tempo de ser construída a casa de Javé!
.....E aconteceu a palavra de Javé através do profeta Ageu, dizendo:
........Para vós, sim para vós é tempo para morardes em vossas casas
........apaineladas, enquanto esta casa fica em ruínas?!
.....Agora!
.....Assim disse Javé dos Exércitos:
........Dirigi vossa atenção à vossa situação:
........Semeastes muito,
........mas colhestes pouco.
........Comestes,
........mas não para fartar-vos.
........Bebestes,
........mas não para saciar-vos.
........Vos vestistes,
........mas não para aquecer-vos.
........O assalariado assalaria-se para dentro de um saquitel [pequeno saco] furado!
.....Assim disse Javé dos Exércitos:
........Dirigi vossa atenção à vossa situação:
........Subi à montanha!
........Trazei madeira!
........Construí a casa!
........Dela me agradarei.
........Serei glorificado!
............Disse Javé.
........Aguardastes abundância
........e eis escassez.
........Trouxestes para casa
........e o dissipei.
........Por quê? – Dito de Javé dos Exércitos.
........Por causa de minha casa que continua em ruínas, enquanto dentre vós cada
........qual corre no interesse de sua casa.
........Por isso contra vós os céus retiveram o orvalho, a terra reteve seu fruto.
........Convoquei seca sobre a terra, sobre os montes, sobre o cereal, sobre o
........mosto, sobre o óleo e sobre o que a roça produz, sobre pessoas, sobre
........animais e sobre todo trabalho das mãos.

Zorobabel, filho de Salatiel, Josué, filho de Josedec, o sumo sacerdote, e todo o resto do povo ouviram a voz de Javé, seu Deus, e as palavras do profeta Ageu, como lhe ordenara Javé, seu Deus. O povo temeu a Javé. Disse Ageu, o mensageiro de Javé no encargo de mensageiro de Javé, ao povo: eu mesmo estou convosco, dito de Javé.

Javé suscitou o espírito de Zorobabel, filho de Salatiel, intendente de Judá, o espírito de Josué, filho de Josedec, o sumo sacerdote, e o espírito de todo o resto do povo. Vieram e se puseram ao trabalho na casa de Javé dos Exércitos, seu Deus, no 24º. dia do 6º. mês.

Pensando o texto

É uma tarefa difícil compreender o texto de Ageu, mas é prazerosamente desafiadora. Difícil pela distância que há do leitor moderno, mas é desafiadora porque o texto continua vivo diante de nossos olhos.
Não se sabe nada de Ageu. Talvez tenha divido a mesa do alimento com o profeta Zacarias. Viveram no mesmo tempo.
O grande ponto inicial no livro do profeta é que ele vai em direção aos poderes civis e religiosos – representados pela “Igreja e Estado”, entregando a mensagem do Deus conhecido. Em primeira instância a palavra vai ao destino certo, a quem deveria ouvir primeiro – o “governador” e o “bispo”. O problema que justifica a palavra de Deus pelo profeta, na expressão do nosso texto, é que Deus foi isolado, esquecido, mal-representado, uma vez que o símbolo de sua relação com seu povo estava no chão: o templo.
O povo diz – “agora não!”. E é esta a queixa de Deus. Afinal, está “pegando mal” a figura das casas bem construídas em volta dos tocos de destruição do templo. Jerusalém, portanto, torna-se o símbolo de um lugar para viver em casa própria, sem definição de um Deus que a caracteriza – não há um Deus na cidade onde todos possam ver.
Mas Deus não deixa por menos, chama o povo para uma auto-reflexão. Muitas sementes foram jogadas. O povo investiu na semeadura, mas decepcionou-se com a colheita – a comida não mata a fome, pois é alimento insuficiente – alguns pais terão que alimentar apenas seus filhos. A bebida, o vinho, somente molha os lábios – a taça não transborda. As roupas apenas escondem a nudez – o armário sempre se repete. E o salário passa correndo sem ser identificado. Não há renda substancial, digna para a sobrevivência da família. Deus alerta: “Parem para pensar!”.
O texto continua demonstrando que Deus os quer mais perto, principalmente, que eles ocupem sua atenção com aquilo que faz com que Deus seja lembrado. Deus quer o templo de volta. Pensando com nossos botões, percebemos que o templo não era um fim em si mesmo, mas era uma maneira visível para que Deus se mantivesse na memória de um povo que caminhava com o esquecimento.
O templo era para que Deus fosse glorificado – apenas Deus. Era para marcar a presença do Deus libertador de exílios. Portanto, a palavra de ordem era: “vamos construir”.
Deus fechou a mão. A escassez do campo e do alimento foi a maneira para provar o fato de que Deus carecia da glorificação do seu povo. Não que tal glorificação fosse vital para sua existência, mas fica bem cantar louvores ao Deus conhecido. A escassez do campo é a demonstração da escassez de tudo – não havia alimento, cereal e outros – a roça já não era mais a mesma, da mesma forma que não havia nenhum sentimento para com Deus, e demonstração de amor pelo mesmo.
A “Igreja e o Estado” ouviram a voz de Deus. O povo igualmente ouviu a voz de Deus. Quando Deus é ouvido, Ele se manifesta sua presença.
“Zorobabel, filho de Salatiel, Josué, filho de Josedec, o sumo sacerdote, e todo o resto do povo ouviram a voz de Javé, seu Deus, e as palavras do profeta Ageu”
“ [...] eu mesmo estou convosco, dito de Javé”
Em seguida, o espírito de todos se renderam a Deus, e fizeram aquilo que agradasse a Deus – o templo.
O templo foi para Deus uma constatação de que o povo estava em torno dEle. Para Javé, a presença do templo anunciava a presença de Deus. É Javé, Aquele que faz com que a comida, o aconchego, a alegria e o trabalho permaneçam sempre na vida do povo.
O templo anunciou, como um termômetro, o grau de consciência sobre quem era Deus, e sua importância na vida cotidiana do povo – inicialmente, estava abaixo de zero.